Melhoria do atendimento psicológico e da qualidade de vida dos profissionais passa pelas 30 horas

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A redução da jornada de trabalho dos profissionais da psicologia é uma vitória histórica da categoria. O projeto aguarda período regulamentar da Câmara dos Deputados para seguir à sanção presidencial.

 

Os (as) profissionais psicólogos (as) comemoraram, em julho, mais um passo histórico de uma conquista esperada há anos: a redução da jornada de trabalho para 30 horas, sem redução salarial. O Projeto de Lei nº 3338, de 2008, foi aprovado no dia 15 daquele mês pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC), e agora aguarda o prazo regulamentar da Casa Legislativa de cinco sessões plenárias para que seja sancionado pela presidenta Dilma Rousseff.

A categoria considera que a redução da jornada de trabalho é coerente às demandas dos profissionais do setor da saúde, tendo sido uma das resoluções da 14ª Conferência Nacional de Saúde e sendo uma das demandas da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde. Para o Conselho Federal de Psicologia (CFP), a redução da carga horária aumentará a qualificação dos serviços à comunidade e trará mais qualidade de vida aos profissionais.

“A aprovação é um reconhecimento da importância da contribuição do (a) psicólogo (a) para o campo da saúde. Além de tudo, é uma questão de isonomia e coerência, visto que os serviços de saúde são multidisciplinares, integrais e contam com a presença do (a) psicólogo (a)”, destaca a presidente do CFP, Mariza Borges. Na área da saúde, várias categorias já conquistaram a redução da jornada: os médicos trabalham no máximo 20 horas semanais, os terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, 30 horas, e os radiologistas, 24 horas semanais.

Atualmente a jornada dos (as) psicólogos (as) se remete à Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), que dispõe de 44 horas semanais, e para os trabalhadores públicos não celetistas, 40 horas. A longa jornada é considerada inadequada pela categoria, frente às demandas específicas que um profissional da psicologia enfrenta. Em seu dia a dia lida, lidam com uma ampla variedade de questões emocionais – como diferentes ordens de estresse, ansiedades, luto, morte, depressão, agressividade, compulsões, transtornos, dificuldades de aprendizagem e outros conteúdos considerados substancialmente difíceis.

Segundo Borges, a qualidade do atendimento aos pacientes passa necessariamente pela carga de trabalho ao qual está submetido o (a) profissional psicólogo (a), que se estende para além das habituais 40 horas. “Fora do consultório, ou ambiente de trabalho, é preciso pensar e estudar os casos atendidos, pensar em projetos de intervenção, realizar supervisão profissional sempre que necessário, fazer gestão e atualização dos registros, sem contar os desafios da constante atualização e desenvolvimento profissional. Essas atividades realizam-se no período extra jornada, o que gera desgaste físico e emocional ao psicólogo (a)”, explica.

A aprovação é fruto de intensa articulação do CFP, da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi), dos Conselhos Regionais e sindicatos junto ao Congresso Nacional. Além do trabalho junto aos parlamentares, as entidades lançaram campanhas de mobilização pela aprovação do projeto em todo o país.

O projeto foi aprovado na CCJC e deve aguardar o prazo mínimo de cinco sessões da plenária da Casa Legislativa para manifestações de parlamentares. Após esse período, se não forem apresentados requerimentos, o PL segue para a sanção presidencial – até o fechamento desta matéria, faltavam apenas  quatro sessões para a conclusão do prazo.

Após a aprovação do projeto pela CCJC, as presidentes do CFP e da Fenapsi se reuniram com o Ministro das Relações Institucionais do Governo Federal, Ricardo Berzoini. Na ocasião, Berzoini destacou que a preocupação do Governo Federal não se restringia ao impacto financeiro da redução da jornada, mas também à qualidade do serviço prestado à sociedade. Ele informou que o Governo não tem posição contrária ao PL, mas que haveria uma necessidade de estudo em relação a seu impacto financeiro. Destacou ainda, a preocupação dos gestores estaduais e municipais no impacto da redução no Sistema Único de Saúde (SUS).

Para Mariza Borges, a preocupação não reflete a realidade. “Estudos apontam para o aumento da produtividade, ao contrário do que se podia intuir, entre fisioterapeutas e assistentes sociais, quando a jornada dessas categorias foi reduzida. Além disso, a luta pelas 30 horas semanais está inteiramente situada no empenho pela não privatização do SUS, pela defesa da saúde do povo brasileiro, pela proteção da integralidade e qualidade do atendimento aos usuários assegurados pela Carta Magna”, aponta. A presidente explica, ainda, que o CFP e a Fenapsi continuarão firmes na articulação da proposta e produzirão materiais para subsidiar os diálogos institucionais que se fizerem necessários.

​“Estamos otimistas, acreditando na sanção do projeto. Continuamos, juntamente com a Fenapsi, providenciando o subsídio​ necessário para dialogar com a Assessoria da Presidência a respeito da proposta da redução de jornada, se necessário”, afirma Borges.

 

Tendência mundial

A redução da jornada de trabalho é um assunto amplamente discutido pela sociedade brasileira e, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é uma tendência mundial. Em duas publicações, “Duração do trabalho em todo o mundo: tendências de jornadas de trabalho, legislação e políticas numa perspectiva global comparada” (2009) e “O tempo de trabalho no século 21” (lançado em 2011), a organização demonstra que a redução da jornada de trabalho está acontecendo em todo o mundo e aponta que a diminuição não reduz a produtividade profissional.

As pesquisas mostram que a redução depende da resolução entre os atores sociais – Estado, trabalhadores e empregadores– e que a legislação é o principal instrumento para a garantia dos direitos dos trabalhadores. As longas jornadas, de acordo com as pesquisas, reduzem a produtividade e tem efeitos como desatenção e cansaço, o que pode levar a erros e acidentes, riscos de saúde e problemas na vida pessoal.  De acordo com o coordenador da publicação de 2009, Jon C.Messenger, menos da metade dos países do mundo adotam carga horária superior a 40 horas. O Brasil está nesse grupo.

“A redução das jornadas de trabalho é uma tendência antiga e não pode ser entendida como uma luta corporativista. Trata-se de uma garantia à saúde dos profissionais em geral, que dispõem de mais tempo para lidar com as demais exigências de sua vida. Por extensão, trata-se de uma proteção social, já que vivemos numa sociedade regulada pelo emprego, na qual a extensão da jornada de trabalho afeta a vida da maioria”, destaca a presidente do CFP.

Desde a Revolução Industrial, quando não existia legislação trabalhista, se iniciou a estruturação da organização dos trabalhadores que lutavam, além de outras demandas, pela redução do tempo de trabalho. Vale lembrar que o Dia Internacional dos Trabalhadores marca uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago nos Estados Unidos, em 1886, que tinha como finalidade reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. A manifestação teve a participação de milhares de pessoas e marcou o início uma greve geral nos EUA.

Muitos países já têm jornada entre 40 e 35 horas. É o caso de Espanha (39,2), Portugal (39), Áustria (38,6), Itália (38,3), França (38), Finlândia (37,6), Nova Zelândia (37,6), Reino Unido (37), Luxemburgo, (37), Bélgica (36,7), Austrália (36,6), Suécia (36,3), Irlanda (36), Alemanha (35,5), Dinamarca (35,2) e Suíça (35,1), de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O Cadastro Nacional do Psicólogo conta hoje com um total de 250.300 profissionais ativos, sendo 48% formado por pessoas de até 39 anos de idade. A maioria destes profissionais encontra-se nas capitais, sendo que a maior concentração de psicólogos está na região sudeste (57%).