A Psicologia Esportiva

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“A Psicologia Esportiva está além das quatro linhas”

A realização da Copa do Mundo no Brasil fez emergir, entre outros debates, o papel do psicólogo do esporte. Mas o que exatamente ele faz? Onde ele atua e com quais propósitos?

Em entrevista ao CFP, a psicóloga Luciana Angelo, especialista em psicologia do esporte, mestre em educação e coordenadora do curso de especialização em psicologia do esporte do Instituto Sedes Sapientiae (SP), explica a trajetória, as atribuições e os benefícios deste campo profissional para a sociedade, discute a realidade dos clubes e aspectos dos megaeventos esportivos no Brasil. Ela aponta, ainda, que as polêmicas e críticas acerca das condições emocionais dos jogadores da seleção brasileira no campeonato, converteram erroneamente o elemento psicológico em justificativa para o desfecho inesperado da competição.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

O que é a Psicologia do Esporte?
A Psicologia do Esporte compõe as Ciências do Esporte, estudando os fatores psicológicos que estão associados à participação do indivíduo em vários contextos relacionados às práticas esportivas, exercícios e outras atividades físicas.

Esporte, exercício físico e atividade física: por que essas denominações? Existem diferenças entre elas?
O (a) psicólogo (a) do esporte vai, em primeiro lugar, lidar com aspectos do movimento humano. Vamos começar a entender que há diferenças na contextualização de esporte, exercício físico e atividade física, muitos são os autores e definições. Esporte é uma forma de atividade física em que movimentos habilidosos são realizados para alcançar um objetivo de maneira específica por regras estabelecidas. Futebol tem suas regras, tem seus tempos determinados, seus enquadramentos, como o basquete, as lutas marciais… o exercício físico é a prática sistematizada de movimentos, executados de forma planejada, segundo um determinado objetivo a atingir, e a atividade física é o movimento corporal voluntário, que resulta num gasto energético acima dos níveis de repouso, caracterizado pela atividade do cotidiano.

Quais os conhecimentos necessários para os psicólogos do esporte? Com que outros atores ele se relaciona?
Os conhecimentos gerados nas teorias da personalidade e nos estudos de diferenças pessoais, os estudos relacionados a psicopatologias, os estudos na área do movimento humano dando especial atenção ao comportamento motor (aprendizagem, desenvolvimento e controle motor), o conhecimento gerado pela psicologia social ao estudar o esporte como fenômeno sócio-cultural e os estudos de psicofisiologia, entre outros.

Além da Psicologia Social, as especialidades com as quais a gente tem tido bastante aproximação são a Psicologia Organizacional e do Trabalho, Psicologia relacionada à Saúde, áreas das teorias mais clínicas (por que temos alguns pacientes que têm transtornos que a atividade e o exercício físico são fundamentais para tratamento); com a área da reabilitação, com casos de praticantes amadores que têm anorexia, bulimia ou vigorexia – que é aquele quadro vigor em excesso, pessoas que fazem muito exercício físico e não conseguem parar. No alto rendimento também há casos de depressão, transtornos, que a gente precisa cuidar, então a saúde mental também é importante. E agora começamos a olhar um pouco também para a Psicologia da Educação, mais ligada à ideia de que criança e adolescente necessitam desse apoio, formação e perspectiva de vivência com o Psicólogo do Esporte muito mais constantes do que a gente tem hoje.

E quais os campos de atuação?
Alto rendimento, práticas de tempo livre, reabilitação, projetos sociais e na educação física escolar.

Em esporte de alto rendimento, seleções, confederações, comitês olímpicos e em clubes; práticas no tempo livre; na reabilitação; na área da iniciação esportiva, com crianças e adolescentes. Em projetos sociais o trabalho tem o objetivo de incentivar à criança a vivenciar habilidades e competências através da atividade esportiva.

Uma outra é a perspectiva na área da educação física escolar, junto aos professores de educação física viabilizando a aprendizagem do movimento, através e sobre o movimento.

E o esporte também é importante para a socialização?
O esporte cria possibilidades amplas de contato social. Pais, famílias, grupo de amigos, colegas, conhecidos, professores e treinadores, enfim, os agentes que tem importância e estão presentes em vários momentos do processo. Além disso, a Psicologia do Esporte interage com a sociedade, por exemplo, na ocupação do espaço urbano, com as adaptações realizadas para a prática lúdica e recreativa em lugares como praças e ruas, nas discussões das políticas públicas relacionadas ao esporte, entre outros.

No alto rendimento, qual é a forma de trabalho?
No alto rendimento o trabalho do psicólogo é planejado junto com os demais integrantes da comissão técnica. Existem as periodizações física, técnica e tática, e o psicólogo também deve compor este trabalho desenvolvendo sua periodização considerando o tempo e os objetivos do trabalho. O ideal é que o psicólogo não trabalhe quando a competição já começou. É importante fazer parte da tomada de decisão e compor efetivamente a comissão técnica.
O contexto de alto rendimento necessita dessa periodização: você faz pré-competição, durante a competição e, depois, você fecha o seu trabalho no pós-competição, fazendo uma avaliação de todo esse ciclo. O psicólogo sempre está dentro dessa periodização junto com o técnico, com o preparador físico, com o fisioterapeuta, com o médico, sempre constituindo essa comissão. É importante saber que existe um planejamento que é feito num tempo, senão o psicólogo não consegue entrar no alto rendimento. O tempo é fundamental.

E essa é uma realidade hoje nos clubes?
Alguns clubes possuem profissionais que trabalham com esse nível de organização. Modalidades como futebol, atletismo, vôlei, judô, tiro com arco, handebol, vôlei, basquete, karatê, natação, tênis entre outros que possuem equipes de psicologia do esporte não somente em categorias adultas, mas principalmente, nas categorias de base em todo território nacional.

Os esportes paralímpicos também têm contratado profissionais da área e desenvolvido trabalhos muito interessantes.

É importante lembrar que a psicologia do esporte no Brasil teve seu início na década de 50, com o psicólogo João Carvalhaes, que atuava no São Paulo e na seleção brasileira. Atualmente, já temos produção acadêmica nacional que nos dê condição de falar da psicologia do esporte no Brasil.
Infelizmente a mídia ainda reporta poucas experiências importantes como as do judô, tiro com arco e handebol. Mesmo os trabalhos realizados por psicólogos nas categorias de das mais distintas modalidades em diversos estados (RS, SC, SP, RJ BA, PE, entre outros) são ainda pouco divulgados.

Uma questão importante a ser discutida é que uma única modalidade, o futebol, tem servido de base para as discussões sobre o sistema esportivo nacional. Isso tem criado insatisfações e por isso, grupos como o “Atletas pelo Brasil”, entre outros, têm realizado propostas para que possamos ampliar as discussões considerando as especificidades de cada modalidade. Eu acho que vivemos em um país democrático e o psicólogo precisa entender essas relações políticas, esportivas, que o jogo não está só entre quatro linhas, está além delas.

É importante a relação de trabalho entre as instituições e o psicólogo?
É fundamental que, quando o psicólogo receba uma proposta de trabalho, ele saiba exatamente para quem e onde ele vai trabalhar, e também entenda a questão “empregado e empregador”. É necessário saber e identificar a política institucional para que o profissional possa refletir sobre a sua prática, os preceitos éticos e faça a sua escolha.

Esta avaliação é fundamental para que, principalmente em ambientes onde a performance é valorizada, a questão emocional não seja a justificativa pra um bom ou mau desempenho. O famoso “bode expiatório” eximindo outras tantas questões (políticas, técnicas etc) de serem avaliadas e alteradas para um melhor desempenho futuro.

Que foi o que aconteceu em relação aos jogadores do Brasil na Copa, não é?
Não sei, pois eu não estava presente e não fiz parte da equipe que coordenou o trabalho. Acredito que toda e qualquer relação de trabalho é necessária um acordo que explicite as condições para que o mesmo possa ser realizado. Frente a isso, a instituição e o(s) profissional(s) estariam coerentes com as responsabilidades e as necessidades a serem cumpridas.

O efeito de perder pode ser avassalador?
Sim. Há pesquisas que mostram que quando seu time perde você tem uma queda de produção, de fatores emocionais que foram vividos com maior intensidade alterando o planejamento da comissão técnica.

O esporte alimenta a fantasia da invencibilidade, não considerando que existe um outro, o adversário que tem o mesmo objetivo: não perder! Ensinar que ganhar e perder faz parte do jogo e da vida se faz necessário!

Além disso, é necessário considerar a estrutura e a representação da modalidade no imaginário social. Hoje, analisando o futebol, é difícil pensarmos na fidelização ao clube e amor à camisa, pois o mercado é globalizado e a regra está vinculada às leis do mercado que vê seu produto (atleta) valorizado nas janelas de compra e venda nacionais e internacionais.

E qual a importância da infância e adolescência para a psicologia do esporte?
É fundamental. Se eles não têm experiência do trabalho feito/realizado com/pelo psicólogo do esporte, dificilmente vão conseguir entender qual o papel do psicólogo depois. Como adultos, eles levam os ensinamentos, as experiências. Além disso, existem de núncias no Ministério Público de crianças e adolescentes que sofrem abusos, no sentido de serem retirados das suas famílias por pessoas que prometem a profissionalização e aí, quando chegam aos seus clubes, isso não acontece.

Qual a visão do psicólogo do esporte dos processos relacionados aos grandes eventos esportivos?
Com a Copa do Mundo e com os Jogos Olímpicos, a participação da Psicologia do Esporte nas discussões sobre a realização dos megaeventos tem ocorrido em diferentes fóruns e versando sobre diferentes temas, tais como: a preocupação em relação às condições desumanas em que foram realizadas as remoções de famílias e comunidades que viviam em torno ou nos terrenos das construções do equipamento esportivo, da desocupação e ocupação dos espaços públicos onde as arenas/estádios foram construídas, das questões relativas à saúde dos atletas que participaram e participarão das competições, das condições de trabalho do corpo de voluntários, entre outros.

O que o CFP tem promovido para desenvolver a Psicologia do Esporte?
O CFP nesta nova gestão fortaleceu a presença da especialidade incluindo um grupo de profissionais especialistas que representados no coletivo ampliado, viabilizaram um Grupo de Trabalho Nacional (GT de psicologia do esporte) e estão em vias de conclusão do plano de ação que viabilize o desenvolvimento da área.