Os períodos eleitorais e momentos de visibilidade de movimentos sociais – como as manifestações de rua em junho de 2013 – podem ser processos educativos de conscientização dos sujeitos em relação à participação social e política dos cidadãos. São momentos em que as pessoas, querendo ou não, se veem em um ambiente de intenso debate político. Os discursos das propagandas políticas eleitorais invadem as TVs e rádios das casas, e, nas redes sociais, os brasileiros aprendem a lidar com embates políticos com amigos, familiares e conhecidos.
Mas o que leva o cidadão a participar socialmente? Um dos campos da Psicologia Social estuda os fenômenos da participação social e política dos cidadãos em sociedade. “A Psicologia Política estuda os motivos que constituem a consciência e as identificações dos indivíduos sobre os temas da política. É uma área híbrida, multidisciplinar, pelo próprio tema que o origina”, explica psicólogo Marco Aurélio Máximo Prado, Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia.
Para o psicólogo, vários fatores podem influenciar a decisão da participação social e política do cidadão, dentre elas, as crenças, valores, ideias de representação e percepções que formam a consciência do sujeito. Além disso, processos de identificação, oportunidades políticas, assim como sentimentos de injustiça podem motivar o indivíduo a perceber e lutar por seus direitos e até orientar seu voto. “O indivíduo que reflete sobre a sociedade e sobre si mesmo é um indivíduo que tem maior capacidade de ação sobre a sua própria vida, de autonomia sobre a sua própria vida. Normalmente são pessoas que estão menos enredadas nas tramas das subalternizações”.
A compreensão do que está a sua volta e de como o individuo pensa o mundo pode determinar a sua participação social. São processos de identificação, conscientização, sentimento de injustiça, ações coletivas de compartilhamento de valores e também oportunidades políticas. “Esses são alguns elementos básicos, poderíamos incrementar, articula-los com o pertencimento de classe social, identificações étnicas e raciais e assim por diante” – detalha.
Para o psicólogo, a compreensão que os sujeitos têm das hierarquias da sociedade e de como a sociedade funciona em sua estrutura e dinâmica também é importante para pensar ações de mudança. “Se as pessoas têm representações de que a sociedade é uma atribuição divina, dificilmente elas imaginam que a ação delas façam alguma diferença na mudança social”. Dessa maneira, a desnaturalização das hierarquias sociais também auxilia na visão do indivíduo de vislumbrar possibilidades de mudança a partir das ações.”
O sentimento de injustiça, quando compartilhado com outros, também pode incentivar o indivíduo a trabalhar para mudar o cenário em que vive e participar – a demanda de sentir seu direito usurpado precisaria dessa maneira, criar um sentimento de injustiça. “Quando você tem um sentimento que o seu direito não está sendo atendido e consegue relacionar isso a outros grupos, isso se torna um motor para a participação social e política. Se minha mãe sofreu racismo, meu pai também, mas eu sei que tenho o direito de não passar por isso, vou lutar. Isso tem a ver com identidade social, com percepção social e com a formação da consciência”, exemplifica.
Para que exista uma ação do indivíduo, ele tem que perceber ainda as oportunidades políticas de participação. Sujeitos que conseguem perceber uma oportunidade de atuação podem ingressar em grupos em busca de mudanças sociais para a obtenção de ganhos do ponto de vista de direitos. “Daí surge a participação, por exemplo, nos movimentos sociais. São pessoas que decidem desafiar as formas de poder, discordar com as formas de poder estabelecidos, a reorganizar determinadas hierarquias sociais, reivindicar direitos, muitas vezes quando esses direitos nem existiam antes”, explica.
Por outro lado, percepções mais individualistas de vida explicam atitudes de não participação, como o indivíduo que entende que somente o seu esforço pessoal ou sorte poderá mudar a sua vida. “Temos uma sociedade na qual o valor do individualismo é um sublinhado, as ideias do consumo individual, tudo leva para a crença de que se você se fizer por si mesmo, pode se dar bem. Não precisa partilhar nada com os outros, não precisa construir coletivamente nada”, diz Prado. Participar politicamente, nesta visão, faria pouco sentido.
Prado explica ainda que na Psicologia Social e Política existem instrumentos interventivos que tomam como base a desnaturalização de crenças arraigadas como a visão estática do poder. “Se a sociedade funciona por que Deus existe, e não por outro motivo, por que o indivíduo vai participar? Não há motivos para a participação já que Deus coordena quase tudo na visão de muitas crenças sociais”.
Segundo ele, o processo educativo pode colaborar muito ao interpelar essas explicações naturais da estrutura social e ajudar os indivíduos a perceberem que as estruturas funcionam através de um conjunto de ações humanas. “Então se as estruturas são contingentes à ação humana em seu funcionamento, elas podem ser contingentes para a mudança também. Se elas são contingentes para a manutenção, elas podem ser contingentes para a alteração da sua estrutura hierárquica. Daí surge a motivação para a participação”.
A educação e a informação também são fatores importantes na formação do indivíduo para uma participação cidadã. Escolas com processos educativos, pró-cidadania, para a participação política favorecem as oportunidades políticas. Para Prado, os períodos eleitorais, momentos de visibilidades dos movimentos sociais, momentos de manifestações espontâneas da população podem ser também processos educativos de conscientização dos sujeitos. “Uma boa parte do papel da Psicologia Social e Política é exatamente transformar esses momentos em processos educativos. Ajudar a interpretar o que está acontecendo e questionar as explicações unívocas e dispersas”.